terça-feira, 1 de setembro de 2009

Heliópolis Slum

Uma adolescente de 17 anos morre em suposto fogo cruzado entre ladrão e Guardas Civis Municipais de São Caetano do Sul.



23hs de segunda-feira, 31 de agosto de 2009. Uma estudante de comércio exterior chega em casa na cidade de São Caetano do Sul depois de uma cansativa noite na Universidade Metodista. Quando vai estacionar o Ford Ka vinho na garagem, um casal de bandidos (o homem armado) a aborda e a retira bruscamente do veículo. Nem dá tempo para tirar a bolsa. Neste mesmo instante, mas em Heliópolis, Ana Cristina, de 17 anos, está a caminho de casa, depois de uma cansativa noite na Escola Dom Cavalcanti.

Uma viatura modelo Chevrolet Blazer da Guarda Civil Municipal da cidade – cidade que tem pouco mais de 152 mil habitantes – cruza com o carro roubado em alta velocidade no Jardim São José e inicia a perseguição. Os bandidos atiram várias vezes contra os guardas civis, que revidam. A perseguição que começou em SCS já está em São Paulo, mais precisamente na Estrada das Lágrimas - fora da jurisdição dos guardas – na região da favela Heliópolis – favela que tem pouco mais de 100 mil habitantes. Agora não é mais uma viatura da GCM, mas sim quatro. Os bandidos atiram novamente contra os agentes. O automóvel com o casal de ladrões bate em uma viatura, mas continua, até colidir contra um Corsa estacionado na esquina com a Rua Cônego Xavier. O bandido sai do carro e atira várias vezes contra os GCMs, que revidam. Ana Cristina, que não tem nada a ver com a história, está chegando em casa, se assusta com o barulho e se esconde atrás de um outro veículo. Durante a troca de tiros entre GCMs e bandido, uma única bala atinge o pescoço da garota, que morre na hora. O ladrão, armado, aproveita o momento e fuge para o interior da favela. Já a comparsa é presa ainda dentro do Ka. O corpo da jovem é colocado em uma viatura e levado às pressas ao Hospital Heliópolis, a uma quadra do local do disparo, mas não há mais nada a fazer.

Tudo para ser uma madrugada quente - e quente mesmo. Para um inverno austral a temperatura estava até que alta: 17°/18° graus à 0h desta terça-feira, hora em que bati o cartão – igual ao “bilhete único” - na emissora.

Pois bem, dou uma olhada nas agências externas e internas e até então tudo tranquilo. Liguei para o escuta da TV e, com uma voz um pouco alterada, ele disse: “Meu, ó, a gente está indo para Heliópolis porque parece que a polícia matou uma menina na favela”. Pergunto: “Mas como está por lá”. Recebo a resposta: “Até agora tudo tranquilo”.

Ok, mas já imaginava. “Lá vem m*@&%, e das grandes”.

Pego o gravador e quando passo novamente na TV: “Ó, o bicho tá pegando por lá”. Eu já sabia”. É sempre a mesma coisa: Sarney está para pizza assim como comunidade está para manifestação.

Entro na 648 e lá vamos nós. Passo em frente ao Hospital Heliópolis, viro à direita na rua Cônego Xavier e já começo a sentir o cheiro de borracha queimada. Mais à frente, no início da descida, uma barricada feita por pneus, lixo, camas e parte de sofás em chamas. Anotem bem, apenas “parte do sofá”, porque outra parte estava com um homem, aparentemente bêbado, que me recepcionou (não tão amistosamente assim).

Quando ele viu a viatura em que eu estava – com as mesmas cores que a da PM – o gentil homem pegou o pedaço de madeira, levantou lentamente e mirou em mim. “PÔ MEU, PÉRA AÊ! SOU REPÓRTER, NÃO POLÍCIA”. Ele – ainda bem – enxergou a palavra REPORTAGEM no pára-brisa. Abaixou a “arma” e aí sim, “pode passar”. Agora e colher sonoras com as pessoas certas.

Cerca de 100 pessoas estavam nas ruas gritando em coro “Justiça, Justiça, a ‘polícia’ matou um inocente”. Ouço tiros disparados por “moradores”, mas nada grave. Os “colegas de imprensa” já estavam por lá e presenciaram a ação dos homens do GOE, GARRA e PM para dispersar a multidão, maior ainda, antes de eu chegar. Bombas de efeito moral e balas de borracha foram utilizadas. Alguns feridos, mas nada grave. (particularmente gosto de cobrir manifestação com bomba e tiros para tudo quanto é lado. Para mim, repórter deve estar no local dos fatos)

Pergunto a um repórter: “Alguém gravou com você”. Ele responde: “Sim, tem um cara que está com o caderno da menina que morreu. Ela morreu na porta dele.” Agora a missão quase que impossível. Encontrar um homem, com um caderno na mão, no meio de uma favela com mais de 100 mil pessoas. Ou seja, a agulha do palheiro.

Em um primeiro momento pensei que era miragem, mas logo depois a ficha caiu: o tal homem estava lá, na porta de uma casa, com camisa azul clara e calça jeans e com o tal caderno nas mãos. Gravei com o garçom Iraildo Carlos da Silva, fiquei um tempo por lá alguns minutos depois, quando a poeira abaixou saí, rumo ao Hospital Heliópolis, para ver se encontrava algum familiar da jovem. Por lá nada – apenas uma menina linda que dei mole e não deixei o meu telefone com ela (droga), mas enfim, estou a trabalho.

Agora o plantão no 95ºDP Heliópolis. Cheguei às 2hs na delegacia e, papo vai, papo vem, e já são 4h30. Nenhuma declaração oficial por parte da GCM de SCS. Nenhuma declaração oficial por parte da polícia civil. Volto à redação com o texto prontinho na cabeça apenas com um lado da história.

Logo depois que saí da delegacia, o supervisor da Guarda Civil Metropolitana (GCM), Adenízio Nascimento, conversou com os jornalistas e informou que “ainda é muito cedo para dar qualquer resposta” sobre de qual arma partiu a bala que matou a estudante, que já tinha uma filha de 1 ano e 8 meses. Ele não respondeu por que a GCM, que é treinada para cuidar do patrimônio público e nem é considerada polícia, estava em uma perseguição, e para piorar na cidade vizinha. Só o tempo e as investigações nos darão, ou não, a resposta.