quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O último voo do "Águia"

Helicóptero da Record, o Águia Dourada, cai no início da manhã (10/2) em uma área gramada do Jóquei Clube de São Paulo, na zona oeste da capital. Um morto e um ferido.

Águia Dourada: “Sobrevoando a região do Morumbi, com vocês”

Globocop: “Ok”

A conversa é entre o piloto Rafael Delgado Sobrinho, que está com o cinegrafista Alexandre “Borracha” no Águia Dourada, e Dato de Oliveira, que comanda o Globocop. Ambos sobrevoam, lado a lado, a Avenida Morumbi, na zona sul de São Paulo.

Águia Dourada: “Dato, eu estou com problema no rotor de cauda e não consigo manter a proa. Estou indo lá para o Jóquei”

Globocop: “Tenta fazer um pouso corrido (igual ao feito pelos aviões)”

Águia Dourada: “Vou tentar”

50 metros sobre o Jóquei Clube, o helicóptero modelo Esquilo prefixo PT – YRE começa a girar, sem rumo, no céu paulistano. Uma, duas, três, quatro, cinco voltas. Começa a sair fumaça e combustível. Seis, sete, oito. Violentamente a aeronave bate no chão gramado de um dos acessos do jóquei. A hélice gira e quebra ao colidir com o solo. O piloto Rafael Delgado Sobrinho morre no banco direito. O companheiro, ainda consciente, coloca os braços para fora e pede ajuda. A cena é filmada do alto, a todo o momento, pelo Globocop, que pousa segundos depois. Dato desce e presta os primeiros socorros.

Mais uma madrugada com casos normais, até parada por sinal. Fecho rapidamente um boletim sobre a apreensão de mais de 800 cartões clonados em Heliópolis, além da prisão de um homem, duas mulheres e a apreensão de uma adolescente. Entrevista com o investigador, fichinha. No final da madrugada, lá pelas seis horas, faço a última ligação para o Copom e quem atende é o sargento Osni, que já acostumado informa que “está tudo tranquilo na cidade, nenhuma ocorrência”. Duas entradas no Pulo do Gato, conhecido na redação pela abreviação PUL, e quase fim do dia.

Mando o relatório para a chefia de reportagem com os dizeres “temos apenas um caso hoje...”. Explico o que rolou e o ponteiro do relógio já quase marcando sete horas.

Daí para frente... o fim do dia se transforma, na verdade, no começo.

Uma das seis TVs da redação está no BDSP e outra na Record. De cara um link na Avenida Morumbi. A repórter informa: “Criminosos fazem reféns em comércio e usam uma carreta para furtar caixas eletrônicos de uma agência do Unibanco...”. No banco da chefia: “Eli...você tem isso?”.

“Merda, isso foi às 4h15 e a PM segurou até as 6h01”, penso. Pego rapidamente os dados com a PM por telefone, passo para o repórter que está chegando ao local e acabou. “Vou para casa”.

Como a Avenida Morumbi está interditada, as emissoras de TV utilizam seus helicópteros para dar a dimensão do congestionamento. O da Record sai rapidamente e o da Globo continua, isso às 7h20.

Ás 7h34 faço logoff no PC e ouço uma das produtoras falando não sei com quem, mas comum tom carregado na voz: “Parece que caiu um helicóptero.”

Segundos depois, antes mesmo de colocar o traseiro na cadeira, olho a TV que está mais ao alto e aparece a imagem que ninguém queria ver...



“Onde”?, pergunta o chefe. “Jóquei”, respondo. “VAMOS LÁ, ELI”... nunca saí tão rápido da redação. Desço literalmente correndo os dois lances de escada que dão acesso ao hall da TV e mais um lance até o estacionamento. Chave na ignição. “Caneta, caderno,microfone, celular, tudo aqui...vão bóra (sic)”.

Pisca alerta ligado, buzina e muitos “SAI DA FRENTE”. Da redação ao jóquei, no horário de pico, uns 15 minutos. Fiz em 10.

Vejo um marronzinho na Avenida Lineu de Paula Machado, ao lado do portão do jóquie, e “posso deixar o carro aqui, na rua”. “Não”. “Pô meu, tô trabalhando, você não viu que caiu um helicóptero aí dentro”? “Ué, então coloca lá dentro”.

Não deu outra. Vejo a cancela aberta, ignoro a presença dos seguranças e estaciono o Focus Sedan lá dentro. “Oh oh oh...que palhaçada é essa. Quem mandou você entrar”? Curto e grosso, respondo. “A CET”. “E desde quando a CET manda aqui”. “Você tá tirando uma comigo? Entrei, mas estou falando com você na boa”.

Claro, fui convidado a sair a força, mas mesmo assim valeu uma entrada no jornal pelo celular.

Como o último retorno na Lineu de Paula Machado estava lá trás, foi obrigado a contornar todo o jóquei pela marginal e consegui deixar o carro em um posto de combustíveis, justamente em cima do tanque. Não vi e saí correndo até a portaria seis - uns 600 metros de distância. Mesmo assim sou o segundo a chegar, atrás da repórter da Capital AM.

A redação passa as informações iniciais e vamos para o ar novamente. A entrada ao jóquei ainda é bloqueada, mas encontramos uma fresta entre as grades que dá para ver parte do helicóptero. Nessa hora já estou acompanhado dos amigos das emissoras de rádio, TV e o pessoal do impresso e internet.

Os cinegrafistas e fotógrafos sobem em um muro de quatro metros de altura, do próprio jóquei, para fazer as imagens. Dez minutos depois, e depois de muito papo, a nossa entrada é liberada.

A primeira visão é terrível. A aeronave dourada com a parte frontal totalmente destruída, as hélices superiores quebradas e o corpo do piloto ao lado, já coberto com papel alumínio. No “campo do jóquei” outros dois helicópteros semelhantes. Um preto, da polícia civil, e outro azul, da Globo.

“E agora, quem vai falar”? O primeiro entrevistado é um dos enfermeiros que realizou o atendimento ao cinegrafista. “PRODUÇÃO...VAMOS AO VIVO. PODE PLUGAR”. Enquanto converso com ele o olho já está na próxima testemunha: um jardineiro que viu a queda. “Central, grava aí”.

Minutos depois encontro o piloto do Globocop, que está bastante abalado. Branco. Pálido. Ofegante. Ele fala sobre os minutos antes do acidente, as recomendações para o pouso de emergência, a tentativa do comandante de fugir da Marginal do Pinheiros, o último contato com o “amigo”. A queda. Descrição que, sinceramente, comove a mim e aos colegas jornalistas.

Entradas alternadas nas praças São Paulo e Porto Alegre.

A aeronáutica chega. O tenente coronel no telefone em um local de acesso proibido aos jornalistas, bem além do cordão de isolamento feito pelos policiais militares. Quando ele desliga o celular, não tenho outra escolha: “chamá-lo com um tom de voz superior ao utilizado nas conversas formais”, para não falar que sou obrigado a gritar para ele escutar.

Muito simpático, cumprimenta e, a entrevista que seria minha, vira coletiva de imprensa. Afinal, estamos todos no mesmo barco.

Última entrada, na abertura do Manhã Bandeirantes. “Tum...tum...”, apita o celular. No visor “bateria fraca”. A solução. “Mark (repórter da BandNewsFM), vou usar o seu telefone, é rápido. Cara, é a última entrada. Não pode dar errado”. “Tranquilo, é todo seu”.

Às 12hs, já na redação, fecho a edição com as sonoras colocadas por mim e pela produção, depois reunião de pauta, rango e casa, lá pelas 15hs.

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